Os últimos chefes de Governo comprovam que o cargo de primeiro-ministro está ao alcance de qualquer um. O Psicotapa compilou uma série de conselhos para quem tem o sonho de um dia chegar lá, mesmo que consiga ouvir violinos no piano de Chopin.
O método foi recentemente comprovado e funciona mesmo. Saiba como chegar ao posto mais importante do Governo, com o nosso...
Manual do primeiro-ministro instantâneo
Desengane-se quem pensa que é preciso conseguir articular duas palavras polissilábicas, sem a ajuda de um boneco de ventríloquo, para chegar aos cargos de topo da política. Os espécimes que têm ocupado o posto mais importante do Governo nos últimos anos tornam legítimo a qualquer Zé Ninguém perguntar "por que não?"
A verdade é que, embora qualquer néscio tenha a bagagem mais do que necessária para lá chegar, é preciso estar no lugar certo, à hora certa e cumprir uma série de requisitos, sem os quais o candidato fica desclassificado logo à partida.
1. Aspecto físico
O aspecto físico é uma característica essencial para quem quer ser primeiro-ministro. Quem olhar para os últimos chefes de Governo dirá que este requisito foi subestimado, mas o ar de idiotas chapados que têm constitui na verdade um importante trunfo.
A ideia generalizada de que o importante é o que o indivíduo tem por dentro e não por fora ajuda os seres mais básicos a projectarem a imagem de que, apesar da cara de parvos, são poços de virtudes. Ter uma testa com três palmos é uma característica essencial, pois dá a ideia de que o indivíduo tem um grande cérebro e é muito inteligente, ainda que dentro do seu crânio domine o mais desolador vácuo.
2. Filiação partidária
Para um idiota chapado ter a mínima hipótese de um dia chefiar o Governo é absolutamente obrigatório estar filiado num dos dois únicos partidos portugueses com alguma relevância - o Partido Social Democrata ou o Partido Socialista.
O máximo que uma alimária inscrita num partido mais pequeno (como o Partido Popular, por exemplo) pode almejar é chegar a ministro da Defesa, num desses patéticos governos de coligação que por vezes aparecem.
Por outro lado, também não adianta ser-se da chamada "esquerda caviar" quando o povo está habituado a comer sandes de torresmo. Se acordar um dia ensopado em crises existenciais e conflitos éticos depois de ter ingressado num dos principais partidos - renegando os ideais que tão convictamente defendeu ao longo dos últimos 30 anos -, volte a fechar os olhos, conte quantos pobrezinhos cabem no seu novo Mercedes e vai ver que adormece antes de chegar a 10.
3. Pose de Estado
Apesar de aparentar menos vivacidade do que a pose do homem-estátua num dia particularmente introspectivo, a chamada pose de Estado é importante para marcar pontos na luta pelo poleiro, embora não seja essencial para a realização do seu objectivo.
É verdade que o eleitorado prefere uma pessoa serena, que fale pausadamente e que se recuse a proferir discursos populistas, mas não se preocupe no caso de estas qualidades não combinarem com a sua personalidade: se a História se repetir, o mais provável é que o Presidente da República decida não convocar eleições e o convide a formar Governo.
4. Cultura geral
A cultura geral de um candidato a primeiro-ministro deve ser suficiente para responder correctamente a cinco perguntas do programa "Quem Quer Ser Milionário" ou a três perguntas de um exame oral a um aluno de Direito que seja membro da tuna universitária.
No entanto, também não é aconselhável falar caro nem dissertar longamente sobre temas mais ou menos obscuros (para isso, leia o Manual do Presidente da República).
No meio é que está a virtude: é verdade que ninguém lhe vai perguntar quem foi o primeiro rei de Portugal, mas também não é preciso andar por aí a dizer que aprecia os violinos de Chopin.
5. Paixão pelo futebol
Nicolau Maquiavel escreveu um dia que, na impossibilidade de um príncipe ser temido e amado, ou de ter que renunciar a uma destas características, é melhor ser temido, pois trair alguém a quem se teme é bem mais difícil do que a quem se ama. Ou, em português, "na dúvida, o povo vota em quem gosta de futebol". Com ou sem gravata da sorte.
Mas não exagere nas declarações "patrioteiras" carregadas de ódios mesquinhos depois de uma vitória da selecção, porque nenhum político sensato se atreve a concorrer com os jornais desportivos.
Ter sido presidente de um clube de futebol da I Liga ajuda muito a fazer crer dentro da máquina partidária que se é talhado para liderar grandes massas irracionais, exactamente aquilo que se pede a um primeiro-ministro.
6. "Mulherenguice"
Ser um verdadeiro garanhão ajuda a projectar uma imagem de sucesso. O povo gosta de ver figuras públicas a frequentar discotecas, a beber cerveja e a dançar sempre na companhia de uma loira diferente, de preferência que seja figura do "jet-set".
Mas importante mesmo é que seja loira e que tenha silicone. Ter aviado uma actriz brasileira de visita a Portugal também ajuda a cimentar essa fama de homem que domina o mulherio. Afinal, quem é capaz de controlar mais do que uma mulher está preparado para conduzir os destinos de um país.
7. Esperteza
Mais importante do que perceber muito de sistemas económicos, relações internacionais, administração interna, etc., é parecer que se percebe muito de tudo. A verdadeira sabedoria não está em acumular conhecimento mas sim em saber dizer coisa nenhuma de forma simples. O máximo a que pode aspirar quem perde tempo a estudar os dossiers a fundo é ser comentador na TVI.
Mas isto não significa que ser comentador televisivo é uma tarefa simples, pelo contrário. Ser paineleiro em debates televisivos pode ser de grande valia, mas desde que a matéria em discussão seja o futebol.
8. Passado político
O aspirante a primeiro-ministro deve, antes de mais, saber mexer-se dentro do seu próprio partido. As escolhas para os cargos políticos operadas dentro da máquina partidária são feitas à vez, com base no critério tradicional do"ora agora mamas tu, ora agora mamo eu" e não em critérios racionais como "quem está mais habilitado a fazer o quê".
Assim sendo, há que ter o maior cuidado com os critérios de desempate. O principal é já ter feito parte de um Governo, de preferência numa secretaria de Estado em que avaliar o trabalho feito é mais difícil, como a da Cultura.
Mostrar flexibilidade em chefiar autarquias pode também ser decisivo. Escolha, por exemplo, uma cidade no litoral, onde seja possível organizar uns mundialitos de futebol de praia, ou uma grande cidade. Essencial em qualquer uma delas é não ligar a custos para mostrar obra feita. Quanto mais betão, melhor. Quem vier depois que pague a factura. Até porque ninguém vai incomodar o primeiro-ministro com assuntos do passado. O que interessa agora é o que está para vir. Com sorte, surge um convite para um cargo em Bruxelas antes do barco ir ao fundo.